Swami Krishnapriyananda Saraswati
Prof. Olavo DeSimon
Gita Ashrama
2010-2017
Apresentação
O conceito
de “alma” no Sanatana-dharma (ordem eterna) é muito diferente do conceito
prevalecente da cultura ocidental, no mais das vezes dualista, o qual está
relacionado aos princípios heleno-judaico (isso inclui as religiões de
derivação cristã, islâmica ou muçulmanas e judaicas).
Em
analogia, nos textos do Sanatana-dharma, a palavra “alma” aparece, às vezes,
como Atma (ser), Purusha, Jiva, Mahapurusha, Paramatma, e assim por diante.
Cada uma destas palavras deverá ser analisada de acordo com o contexto da
escritura onde ela aparece. Apesar de a palavra ser diferente, ela se refere à
mesma coisa, ou seja, àquilo que dá consciência e vida a um corpo, bem como dá
razão de ser às coisas vivas. É um principio ao mesmo tempo “vitalista”, porém
transcendental.
O conceito
original do termo Atma ou alma, segundo os Vedas, não é distinto do Supremo, ou
Absoluto, uma vez que a filosofia védica é emanacionista. Isso quer dizer que
as “almas são emanações da alma Suprema”, também dita Paramatma. A filosofia
védica original é Advaita (sem-segundo), também chamado de “monista”, não
separando a alma individualizada, e ou incorporada, da alma Suprema. Existe a
analogia que diz que, “Assim como a água de um poço contém a mesma água de um
rio, a alma individual é a mesma sempre”, a alma é uma “emanação” do Brahman, e
ainda que aparentemente diferente, é totalmente igual a Ele. (B.gita, 2.46)[1]. Por
conseguinte, de acordo com a filosofia do Sanatana-dharma, não há “criação de
almas”, apenas “emanações do Supremo”, que são infinitas devido a natureza
Absoluta do Brahman. Os conceitos, dualista e criacionista de alma, em alguns
seguidores indianos, surgem a partir da influência do Cristianismo,
principalmente neo-platônico, numa tentativa de explicar a imensa variedade de
seres humanos (uma vez que os animais e outros seres vivos não possuem alma,
segundo o cristianismo original). Para o cristianismo antigo, uma espécie de judaísmo
que aceitava um messias, somente as pessoas possuíam alma. Até mesmo, somente
as pessoas brancas e batizadas, possuíam alma, e todas as demais seriam
“gentios”, ou seja, animais com aparência de gente, porque não possuíam ou
ainda não tinham penetrado uma “alma”. Eram por isso considerados “indígenas; indigenius=
sem alma”. Portanto, para se tornar “pessoa”, alguém deveria ser “batizado” na
religião cristã ou do grupo Abrâhmico (referente a Abraão), caso contrário,
iria permanecer pagã (pagador de pecados), e gentio, ou seja, animal com
aparência de gente, jeito de gente, porém sem “alma”. Daí o leitor pode
entender a origem dos termos “índia”, “indígena”, e assim por diante.
O
conceito helênico
O dualismo platônico,
advindo naturalmente da influência dos Gregos da costa na Anatólia, passou para
alguns indianos, dando um novo colorido para aqueles que não queriam aceitar o
Cristianismo como religião, mas que agora não tinham como abrir mãos da
“individualidade”, propagada como princípio cristão. Apesar de encontrarmos
citações como, “Eu e o Pai somos um” (João 10.30), nas Escrituras do
Novo Testamento, por exemplo, o conceito de dualismo permaneceu por entre as
fileiras dos seguidores cristãos. O principal motivo desta divisão dualista
radical, deveu-se a filosofia de Platão, que surgiu como uma resposta à
carência de uma sustentação filosófica para o novo credo. O grande incentivador
da filosofia platônica foi Agostinho de Hipona. Mas a filosofia dualista ingênua
de Platão, foi aos poucos substituída pelas interpretações de Aristóteles, principalmente
propalada por Thomas de Aquino. O Tomismo de Aquino, aceitava a idéia dual de
alma e intelecto, conceito presente em Aristóteles, mas negava o “pecado do
Demiurgo”, defendido por Platão. Este filósofo, dizia que as almas caídas do
Mundo das Idéias, por uma inveja dos deuses, vinham para desfrutar deste mundo
de arremedos e simulacros, pensando que a falsa realidade do mundo seria o
verdadeiro. É celebre a Alegoria da Caverna de Platão, onde Platão fala que
pessoas acorrentadas dentro de uma caverna, e de costas para a entrada, pensam
que as sombras e vozes refletidas no fundo da caverna, de pessoas que passam no
outro lado, constituem a verdadeira realidade, quando, no entanto, a verdadeira
realidade está fora da caverna, e sequer é percebida por eles.
Por sua
vez, aquele conceito de “mundo de representação” platônico caiu como uma
luva para o conceito védico de “maya”, conceito que os indianos dualistas
não tinham como explicar de outro modo. Originalmente, “maya” significa:
“de mim”, ou seja, aquilo que é partido da própria vontade do Supremo ou
Brahman, originando Brahma, quem criou o mundo material, e que, de alguma forma,
o fez para atender a busca pelo gozo dos sentidos das almas iludidas, e pelo
qual as almas condicionadas materialmente neste mundo se aprisionam pelo
Samsara.
Explicações dos Clássicos védicos
Nas obras
comentadas dos sábios, portanto do Smriti com os Puranas,
encontramos várias colocações sobre a alma. Os conceitos que estão nos Puranas
são advindos dos Upanishads, um conjunto de textos de elevada filosofia,
onde são mencionados os aspectos do Jiva e do Paramatma.
Tanto no Vishnu Purana, como no seu derivado, Bhagavata-Purana,
o Senhor Krishna dirige-se a Uddhava falando da inutilidade ou futilidade das
luxúrias celestes e mundanas. Ele faz comparações dizendo que “Este corpo
humano é como uma árvore, na qual dois pássaros – Jivatma e Paramatma
(a alma individual e a alma Suprema) – se abrigam. Dois frutos, felicidade e
sofrimento, aparecem nela. Jivatma, a alma individual, como destes
frutos, enquanto o Paramatma, a alma Suprema, fica como um espectador
indiferente”. Ainda que esta explicação nos pareça dualista, ela é
profundamente monista, porque caso considerássemos o fato da diferença do Jiva
e do Paramatma em termos de unidade, então teríamos que definir um corpo humano
com duas almas, e não uma. Mas esta citação fala da qualidade de “maya”
enquanto a alma está corporificada, que se enreda nos pares de opostos do mundo
material. Para esclarecer isso, o Senhor Krishna diz no Vishnu Purana, “Há
três tipos de Jiva: Baddha (atada), Bhakta (devoto), e Mukta
(liberado). Baddha Jivas ou almas aprisionadas ou atadas, são aquelas que cedem
aos prazeres sensuais, e que não gostam da companhia dos piedosos. Mukta
Jivas ou almas liberadas, são aqueles que estão livres dos apegos e
amarras materiais. Os Bhaktas Jjivas ou devotos, são aqueles que
estão meditando em Mim, e que dedicam tudo aos Meus pés, tendo amor por Minhas
virtudes. Meus devotos são afáveis, livres de falhas, tolerantes, possuem
sentimento de fraternidade por todos, e controlam seus desejos”.
O
sentimento de amor pelo Supremo é, de fato, o que pode liberar uma alma
condicionada no mundo material, porque é o real aproximar-se da sua própria
natureza divina e eterna.
No Siva Purana, Suta Deva diz que,
pelo fato da existência de oito tipos de cativeiros neste mundo material, a
alma é, também, conhecida como Jiva. Isso porque, a palavra sânscrita “jiva”
tem uma relação com “jihva’, que quer dizer “língua”, o órgão do sentido
que desfruta os sabores. Suta continua: “Os oito cativeiros são: a natureza,
a inteligência qualitativa, o ego e o Panchatanmatras, isso é, a
audição, o tato, a visão, a gustação e o olfato”. Os órgãos dos sentidos
são responsáveis pelos sentidos correspondentes, e o Jiva, alma
condicionada, deixa-se levar por eles, mesmo sendo Maya, como se fossem
verdade absoluta.
Segue o
Siva Purana, dizendo: “Cada ‘alma’ está aprisionada naqueles oito aspectos
da natureza material. As ações realizadas como resultado daqueles cativeiros são
chamadas de Karma”. De fato, segundo a filosofia do Sanatana Dharma,
as “almas” tomam um nascimento num ciclo que está aprisionado nos efeitos de
seus Karmas. Para alguém liberar-se deste Karma, resultado das ações, deverá
saber controlar os oito Chakras sutis. O Siva Purana refere-se aos oito
Chakras como “... nada mais do que oito formas da natureza material”. O
Senhor Supremo, Siva, está além do alcance destes oito Chakras, mas tendo pleno
controle deles. Afirma o Purana, que uma pessoa pode alcançar a liberação dos
cativeiros do mundo, apenas por intermédio da adoração do Sivalinga, uma vez
que o Linga é tanto uma forma grosseira como sutil. Há, também, cinco tipos de
Lingas na Terra, a saber: Swayambhu Linga, Bindu Linga, Pratisthit Linga,
Char Linga, e Guru Linga. Então, uma pessoa que possui desejos de prazeres
mundanos deverá adorar o Linga na forma de grosseira do Sivalinga, e aqueles
que desejam alcançar a liberação do mundo material deverão adorar a forma sutil
do Sivalinga.
Explanações de Sri Adi Sankaraka
Sem dúvida
as explicações de Sri Adi Sankara Acharya são as mais notáveis, e as mais esclarecedoras,
a respeito da alma e da sua “constituição”, e da sua relação com o Supremo. Ele
nos mostra a clara distinção entre uma “evolução objetiva”, e uma “evolução
subjetiva’, ou seja, entre uma aparente “evolução” das coisas materiais,
fenomênicas ou objetos do mundo material, e o Atman, o Ser ou Brahman, que é
eterno, sempre existente e perfeito. Distingue fenômeno do nûmeno.
Swami
Sivananda escreve, com muita clareza, os aspectos defendidos com objetividade e
conclusões lógicas a respeito da alma, conforme a visão sankarite:
“De acordo com Sri Sankara, há o uno e
Absoluto Brahman, que é Sat-Chit-Ananda, que é de
uma natureza absolutamente homogênea. A aparência deste mundo é devido a Maya –
o poder ilusório do Brahman, o qual não é nem Sat, nem Asat
(ser e não-ser). Este mundo é irreal. Este mundo é um Vivarta ou de
modificações aparentes por intermédio de Maya. O Brahman é
aparente neste universo, por intermédio de Maya. O Brahman é o
único que é real. A alma individual está limitada por si mesma, através do Avidya
(ignorância), tendo identificação com o corpo e outros veículos (como os órgãos
dos sentidos). Através de ações egoístas ela desfruta dos frutos das ações,
tornando-se ator e desfrutador de suas ações; considera-se a si mesmo como
atômico e como sendo um agente, devido ao Avidya ou ignorância, na realidade,
os limites do Antahkarana. A alma individual torna-se una com o Brahman
quando sua ignorância é destruída. Na realidade, o Jiva (alma
individual), é todo permeado e idêntico ao Brahman. Isvara ou Saguna
Brahman (Brahman com qualidades), é produto de Maya. A
adoração de Isvara leva ao Karma Mukti. Os devotos
piedosos (conhecedores de Saguna Brahman), vão ao Brahma Loka
e alcançam a liberação final por intermédio de um elevado conhecimento. Eles
não mais retornam a este mundo. Eles alcançam Nirguna Brahman no
final do ciclo. O conhecimento de Nirguna Brahman é o único meio
de liberação. Os conhecedores de Nirguna Brahman alcançam
imediatamente a realização final ou Sadyomukti. Eles não necessitam ir
pelo caminho dos semideuses, ou o Devayana. Eles mergulhem em si mesmos
no ParaBrahman. Eles não vão para qualquer outro Loka ou mundo”. Como
vemos, o Brahman para Sri Sankar é Nirvisesha Brahman, ou Absoluto Impessoal;
Brahman sem atributos.
A
ratificação do Vedanta-sutras
Com
certeza, o Brahma-sutras ou Vedanta-sutras, é o texto considerado
definitivo para o entendimento da questão da alma individual, e a sua condição
de igualdade com o Supremo. Por tradição
ou Sampradaya, uma escola filosófica, para ser aceita como uma escola
Vaidika, deverá ter um comentário consistente do Brahma-sutra. A
inexistência deste comentário, que possa ser refutado ou concordado, é uma
clara manifestação de que se trata de uma “seita” ou alguma manifestação
política ou ideológica, mas não de um ramo autêntico do Vaidika-dharma.
Todos os Acharyas são unânimes em aceitar este ponto. Aqueles que
refutam isso, de uma certa forma, refutam os Vedas, uma vez que Brahma-sutra
é uma explicação de Sri Vyasa sobre os Vedas.
Mostra-nos
um particular interesse o verso II.2.42, daquela magna obra do Vedanta,
um verso que trata da refutação da escolha Pancharatra ou Bhagavata,
onde diz:
“utpatty-asambhava-adhikaranam”
Este sutra,
sendo direto e objetivo, diz com toda a clareza que, “utpatti’,
causação, origem e criação deve-se à impossibilidade “asambhavat”. Ou
seja, a doutrina criacionista ou doutrina Bhagavata ou Pancharatra
é aqui refutada. Swami Sivananda escreve que, “De acordo com os Shastras,
o Senhor é a causa eficiente bem como material do universo (introdução de conceitos
aristotélicos, trazidos pelos árabes, Averrois e Avicena para a
Índia). Segundo nosso entendimento, isso está de acordo com as Escrituras ou Shruti,
portanto, possui autoridade. Uma parte do sistema de Pancharatra
concorda com o sistema Vedanta. Nós aceitamos este aspecto. Mas outra
parte do sistema, entretanto, está aberta a objeção, vejamos: Os Bhagavatas
dizem que Vasudeva, cuja natureza é puro conhecimento, é o que existe na
realidade. Mais, Ele divide-se a si mesmo em quatro e aparece em quatro formas
(Vyuhas), como: Vasudeva, Sankarshana, Pradyumna, e
Aniruddha. Vasudeva denota o Ser Supremo; Sankarshana, a
alma individual; Pradyumna, a mente, e Aniruddha, o princípio do
egoísmo, ou Ahamkara. Destes quatro, Vasudeva constituía Causa Última,
da qual as três outras são efeitos.Eles, também, dizem que pela devoção por um
longo período a Vasudeva, através do Abhigamana (ir ao templo com
devoção); Upadana (segurar os acessórios da adoração); jiya
(oblação, adoração), Svadhyaya (estudo das sagradas Escrituras, e
recitação de Mantras), e Yoga (meditação reverente), nós podemos passar
além de todas as aflições, dores e sofrimento, alcançando a liberação e o Ser
Supremo. Isso, também, nós aceitamos.Mas contestamos a doutrina de que Sankarshana
(o jiva ou alma individual), é nascida de Vasudeva e assim por
diante. Tal criação não é possível. Se há tal nascimento, e se a alma é criada,
ela deverá estar sujeita a destruição (porque tem origem), e por conseguinte
não haverá liberação. O fato de alma não ser criada está mostrado no Sutra
3.17. Portanto, por essa razão, a doutrina Pancharatra não é aceita”.
O verso do Brahma-sutras,
citado, II.3.17, diz o seguinte:
“natma, asruter-nityatvat cha
tabhyah”
“A alma
individual não é produto, porque nem mesmo está citado isso nas Escrituras; Ela
é eterna, de acordo com os textos Shrutis”.
De acordo
como Sankara Acharya, conforme citado por Swami Sivananda, no Aitareya
Upanishad está declarado: “No começo da criação havia apenas o Brahman
único, sem um segundo (I.1)”. Portanto, não nos parece ser razoável o fato
que a alma individual é não-nascida, porque ela nada mais é do que Brahman em
si mesmo.
No Brihana
Upanishad, temos: “Assim como estas partículas saem do fogo, assim do Atman
todos os Pranas, todos os mundos, todos os deuses emanam” (Bri.
II.1.20). E no Mundaka, temos: “Assim como as fagulhas do fogo, sendo
da mesma natureza do fogo, voam em milhares de partes, assim também os vários
seres saem do Imperecível, meu amigo, e retornam para Ele também (Mu,
II.1.1)”.
A escola
criacionista, dualista ingênua, afirma que a alma individual nasce e inicia a
ter um ciclo, do mesmo modo como o Akasha, e outros elementos a partir
dele, nascem. Podemos dizer que há centenas de refutações à tese criacionista
nos Vedas e nos Upanishads. Swami Sivananda, por sua vez, diz com
toda a clareza: “A doutrina de que as almas nascem de Brahman não
está correta. Aqueles que, propõe esta doutrina, declaram que as almas nascem
de Brahman, que pelo conhecimento do Brahman tudo pode se tornar
verdadeiro, porque Brahman é a causa do conhecimento da causa que
conduzirá ao conhecimento de todos os objetos. Também, eles dizem que o Brahman
não pode ser identificado com a alma individual, porque Ele é puro e sem pecado
(termo incorporado devido ao cristianismo), enquanto que as almas individuais
não são. Eles, também, dizem que tudo que está separado é um efeito, e que como
as almas são separadas – do Brahman – elas também são um efeito”.
Mas, de
fato, “As almas não são separadas. Os Shruti declaram: ‘Há o Deus uno
escondido em todos os seres; todo-penetrante; o Ser interior de todos os seres
(Svet. Vi.11)’. Ele apenas parece dividido devido aos Seus adjuntos, como a
mente e assim por diante, assim como o éter aparece divido por sua conexão com
um jarro e semelhantes (o Akasha é o espaço, e um jarro divide aparente
mente o Akasha em lado de dentro de fora, mas ao quebrar-se, isso se
desfaz). É a conexão do Brahman com o intelecto que conduz o Seu ser
chamado Jiva, ou alma individual. O éter de um pote é idêntico como éter no
espaço”.
Percebemos,
portanto, que as objeções ao que foi dito acima pelos dualistas, não podem ser
sustentadas, devido a identidade natural da “alma individual” com o Brahman.
Por conseguinte, não há nenhuma contradição na declaração dos Shrutis,
de que “... com o conhecimento do Brahman nós poderemos conhecer
tudo”. Então, uma suposta originação de almas está apenas referenciado ao
corpo, e não a alma em si mesma.
O Brahma-sutra,
segue discutindo esta questão da alma no Sutra seguinte, II.3.18, onde
diz:
“jña-adhikaranam”
“Por esta
razão (o fato de a alma não ser criada), ela é inteligência”.
A doutrina
do Sankhya sustenta que a alma é sempre “chaitanya” - consciência
pura - na sua própria natureza. Por sua vez, a filosofia do Vaisheshika,
afirma que a alma individual não é inteligente por natureza, porque não é encontrada
no estado de sono profundo. Ela se torna inteligente quando no estado desperto,
quando unida com a mente. Portanto, a inteligência da alma é devido a sua
conjunção com a mente, de um modo semelhante como o ferro fica vermelho no
fogo.
Há grande
distância entre o dualismo ingênuo, nascido da influencia cristã, do monismo
puro ou Kevala Advaita, filosofia original dos Vedas. Entendemos
que a teoria criacionista da alma nasceu da necessidade de os sacerdotes
cristãos primitivos explicarem a diversidade de seres vivos, principalmente,
dos seres humanos, bem como a razão da finitude. Aos poucos, a teoria
criacionista ganhou adeptos e refutadores. Confusos, pelo fato de existir uma
evolução objetiva – material e fenomênica –, e desconhecerem uma subjetiva – do
Atma em relação a sua condição de pureza ou Brahman, os adeptos
do Dvaita fizeram uma doutrina tentando acomodar suas ansiedades da
realização de uma vida sem sofrimentos (livre do Dhukha-traya), em
uma filosofia escatológica. Isso é uma semelhança inequívoca com a idéia do
paraíso heleno-judaico-cristão, que, por sua vez, tem suas origens na religião
do povo egípcio. Basta ver os preparativos deixados nas tumbas e pirâmides,
onde todo um aparato para uma “vida futura”, acompanham a múmia de um faraó ou
grande homem. Esta idéia escatológica ganha grande impulso a partir das
respostas dadas aos que não tinham a lei do Karma como referência,
refutando-a diante de uma apocatástase, ou liberação de todos os pecadores no
final dos tempos.
A filosofia
védica defende a não-criação da alma, em outras palavras, a “alma é incriada;
não nascida”, sendo, portanto, eterna e sempre existente. Este conceito aparece
em livros mais populares como o Bhagavad-gita, por exemplo, no
capítulo 2, lemos:
“Em qualquer tempo, nunca se nasce ou se
morre; mesmo vindo-a-ser, nunca se deixa de existir, e mesmo não-nascido,
continua a ser. O Ser ou Atman, é o eterno ancestral, não nascido, sempre
existente, e que nunca morre, mesmo quando o corpo é morto. 2.20 Conhecendo-se
que o Ser ou Purusha é indestrutível, e que é não-nascido,
eterno e imutável, ó Partha, como poderás causar ferimentos ou matar
alguém? 2.21 o Ser ou Alma nunca pode ser cortado em pedaço, por qualquer
instrumento, nem tampouco queimado pelo fogo, umedecido pela água ou seco pelo
vento. 2.23 Este ser ou Alma é inquebrantável, e impossível de queimar; é
insolúvel e não pode secar, e, com certeza, está penetrado em todos, sendo
eterno e imutável, sendo sempre o mesmo. 2,24 Está dito (nas Escrituras), que
este ser é invisível, inconcebível; portanto, conhecendo bem, isso (de morte do
corpo), não deve ser lamentado; 2.25. Imanifesto é o Ser ou Atma no começo, e no meio, ó Bharata; é manifesto e de novo imanifesto, enquanto
o corpo é destruído. 2.28. Alguns vêem o Ser como uma maravilha, e outros assim
tratam de explicá-lO. Outros ouviram que o Ser é muito maravilhoso; e há outros
que, tendo escutado sobre Ele, nunca entendem tal coisa. 2.29. O encarnado é
eterno, não pode ser morto. Isto, ó descendente de Bharata, é igual com todas
as entidades vivas. Portanto, tu não deves nunca te lamentar. 2.30.
A natureza
eterna e indestrutível da alma, bem como o fato de ser incriada, está
amplamente descrita nos textos védicos Vaidika-dharma. Esta visão
incriacionista é o tópico fundamental do Kevala-Advaita, ou monismo
puro.
Hari
hara om tat Sat
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[1] Diz o
verso mencionado: “Similarmente, assim como num poço encontramos água em
todos os seus aspectos, como na corrente de um rio, o Brahmana possuidor
do conhecimento pleno dos Vedas, possui toda a riqueza”