sexta-feira, 20 de maio de 2011

Ideologia x Filosofia


Ideologia x Filosofia

Swami Krsnapriyananda Saraswati

Gita Asrama
2011

Quadro "Sede"


Compreendendo o tema
Como diz Mario Bunge, “As ideologias são de dois tipos: religiosas e sociopolíticas.”[1] Em nosso caso, nos interessa salientar especialmente a ideologia religiosa. Apesar de o autor desenvolver a questão sociopolítica no livro citado, percebemos que, em muitos casos, nos dias atuais, religião e política se confundem, apesar da existência da uma vontade laica nos governos democráticos em separar estado e religião. Mas em todos os casos, ideologia é um conjunto de crenças; crenças estas que podem variar conforme a região, tempo, lugar e circunstâncias sociais. Conforme frisa aquele autor, as regras ideológicas são agrupadas em quatro classes, a saber:

“1) Afirmações ontológicas a cerca da natureza da pessoa e da sociedade (que classes de entes são as pessoas: materiais, espirituais ou mistos); de que modo se combinam para formar comunidades, e o que são estas últimas (animais, culturais, ou mistas);
2) Afirmações acerca dos problemas econômicos;
3) Juízos de valor sobre as pessoas e seus atos sociais;
4) Um programa de ação ou de inação, para a solução da manutenção dos problemas sociais, e a obtenção de um conjunto de metas individuais e sociais.”[2]

Como exemplo diferenciador entre ideologia e filosofia, Bunge cita o caso dos sem-terra, e como este aspecto se apresenta de forma diferente diante da abordagem epistêmica ou ideológica: “Se perguntarmos de que vivem e como vivem os camponeses sem terra do estado X estaremos pedindo uma investigação científica ou os seus resultados. Por outro lado, se perguntarmos se é justo e conveniente para a sociedade como um todo haver camponeses sem terra numa zona onde algumas famílias dominam grandes extensões de terra tal pergunta clama por uma resposta ideológica”. Este exemplo é importante, porque nos coloca diante da separação de questões filosóficas e ideológicas. Filosofia é um constante perguntar, e este perguntar é feito de hipóteses teóricas e não exatamente de afirmações dogmáticas; como diz Bunge, “... uma teoria é constituída de hipóteses, não de afirmações dogmáticas, e não contém juízos de valor nem programa de ação (...) Além disso, em geral uma ideologia não é produto da investigação básica, e nem se modifica com os resultados desta: até aqui, as ideologias (no seu sentido amplo) têm sido bastante resistentes às novidades científicas. Uma ideologia pode mudar, mas apenas nos detalhes: se um ismo mudasse radicalmente, deixaria de ser aquele ismo”. [3]

Bunge, também, define muito bem a questão da ideologia e da Filosofia sob a luz da Epistemologia, principalmente salientando a posição da visão do chamado “terceiro mundo” com o uso de slogans (onde se inclui a farta proliferação de “eu-ismos”; “eufemismos”); onde se confunde “ideologia com Filosofia” e com “Ciência Social”. Escreve ainda o referido autor que aqueles quem não possuem filosofia, “... vociferam slogans em lugar de fazer análises filosóficas ou sociológicas, e repetem ou comentam dogmas ideológicos no lugar de construir teorias filosóficas ou sociológicas. E qual a razão disso? Isto é mais fácil do que fazer ciência ou filosofia, e produz a ilusão de ser socialmente útil”.[4]

Como a ideologia molda o pensamento
De modo peculiar, toda a ideologia tem um lastro mais ou menos científico; diz-se “mais ou menos” devido que nem tudo que é crença tem um fundo científico, sob o prisma da indução, isso porque, segundo vemos, na ideologia clássica, ela é habitualmente “... introduzida por algum líder carismático e resistida por outros lideres carismáticos, em vez de ser resultado de investigações realizadas pela comunidade de investigadores cientistas ... não tolera a crítica, não pratica a autocrítica, faz pouco ou nenhum caso dos dados emitidos, e não está em dia com os avanços da ciência”.[5] Portanto, muitos dizem apressadamente que se trata de Filosofia a ideologia que defendem, mas não passará de simples ideologia sem reflexão filosófica alguma. Eis porque é difícil para os “ocidentais”, principalmente porque estão desacostumados a filosofar, compreenderem o pensamento filosófico do Oriente Védico. Não raro, por exemplo, colocam Budismo, Tantrismo e o Vedānda, etc., como sendo “farinha do mesmo saco”, quando há profundas e importantes diferenças filosóficas entre eles, e mesmo porque as escolas do Tantra e do Vedānta – pelo menos nas suas origens - se distanciam substancialmente do Budismo por estarem bem menos contaminadas por ideologias.[6] Por outro lado, há, também, ingênuos “dualistas”, que se defendem dizendo “propor”, o Vedānta, quando o que pregam - na realidade do viés filosófico - é uma apressada interpretação ideológica do Sāṇkhya, e, ainda “segundo o que acham” (pura doxata)[7] e erroneamente pensam se tratar de filosofia, como vemos em muitos movimentos religiosos independentes que vieram ao Ocidente no passado recente, e hoje são inexpressivos, e que sequer ocuparam os meios acadêmicos sérios no mundo. 

om tat sat


[1] BUNGE, Mário, Epistemologia, p. 147.
[2]Ibidem, ps. 147-148.
[3]Ibidem, p. 149.
[4] Bunge, Mario. Ciencia Y Desarrollo, p. 99
[5] Ibidem, pgs;105=106.
[6] Para os “portuguesófilos” de plantão, a expressão “ambas” não se refere somente a dois, mas é proveniente do Latim, e refere-se a “um e outro”, portanto, não está incorreto dizer ambos os três; não é pleonasmo.
[7] Doxata, do grego, “doxa”, ou opinião; ausência de epistemologia; diferente de Episteme, conhecimento pelas causas.

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