segunda-feira, 23 de maio de 2011

A Vida de Sankara


A Vida de Śaṅkara

Por
Swami Kṛṣṇaprīyānanda Saraswātī

Gita Ashrama
Porto Alegre, RS - Brasil
 2006-2011


Jagadguru Sri Adi Sankaracharya



jaya jaya Sankara
hara hara Sankara


1. Vida de Sankara
Convém lembrar, que a história de Sri Sankara, como boa parte dos ensinamentos védicos, está fundamentada na tradição oral, de modo que as datas podem não ser consideradas exatas. Os textos que temos, por sua vez, também fazem parte da tradição cultural, de modo que o que deve permanecer é o cerne da história. Uma ou outra variação é perfeitamente natural em casos como este.

2. Nascimento e infância
Sankara nasceu de um casal Nambhudiri Brahmanas, com os nomes de Sivaguru e Aryamba, num pequeno vilarejo chamado Kalai, em Kerala. A casal havia ficado muito tempo sem filhos, e oraram por uma criança no templo de Vadakkunnatah (Vrishacala), próximo a Trichur. O Senhor Siva, então, apareceu para o casal de devotos num sonho, e oportunizou para eles uma escolha entre um filho de vida longa e de pouca inteligência, ou um filho com vida curta mas com muita inteligência, como um filósofo brilhante. O casal optou pelo filho brilhante, mas com vida curta, e assim Sri Sankara nasceu.

Sankara e o crocodilo
Logo cedo, Sankara perdeu o Seu pai, e a Sua mãe realizou a cerimônia de Upanayana (cordão sagrado) com a ajuda de seus parentes. Sankara desde cedo sobressaía-se em todos os ramos do conhecimento tradicional Vaidika (dos Vedas). Há alguns milagres relatados a respeito do jovem Sankara. Como um Brahmacarin, ele cuidava de coletar esmolar das famílias no vilarejo. Certa feita, uma senhora que era muito pobre, mas que não queria mandar embora o jovem de mãos vazias, deu a Ele seu último pedaço do fruto Amla que tinha em casa. Sankara, sentindo a pobreza miserável da mulher, compôs um hino com o nome de Kanakadhara Stavam para Sri ou Lakshmi, a deusa da riqueza, nos degraus da porta da casa da senhora. Como resultado, uma chuva de Amlas de ouro recompensaram a senhora por sua piedade. Numa outra ocasião, se diz que Sankara desviou o curso do rio Purana, para Sua mãe não ter que caminhar uma longa distância todos os dias para os ritos diários.

3. Sannyasa
Sankara desde cedo tinha o sentimento de Sannyasa. Casar-se e fazer parte da vida de chefe-de-família nunca fez parte da meta da Sua vida, apesar de Sua mãe estar ansiosa para vê-lO como Grihastha. Certa feita Sankara estava tomando banho no rio, um crocodilo agarrou-o pela perna. Sankara sentiu que estava destinado a morrer naquele momento, e decidiu diretamente entrar no quarto Ashrama chamado Sannyasa, então. Ele implorou para a Sua mãe que estava na beira do rio para concordar que Ele se tornasse um Sannyasa, devido ao fato extraordinário. Este tipo de renúncia é chamada de Apat-sannyasa. O crocodilo soltou-O imediatamente, quando Ele mentalmente tomou esta decisão de renunciar ao mundo. Após esse incidente, Sri Sankara saiu a procura de um Guru, que pudesse iniciá-lo formalmente na ordem. Para confortar a Sua mãe, Sankara lhe prometeu que retornaria no momento de sua morte, para conduzir os ritos funerários, apesar do fato de Ele ter tomado Sannyasa.

Adi Sankaracharya reverencia um Candal
Sankara saiu viajando para todos os lugares, a procura de um Guru respeitado que o iniciasse regularmente no seu voto de Sannyasa. Então Ele foi para as margens do rio Narmada, na região central da Índia. Ele estava no Ashrama de Sri Govinda Bhagavatpada, o discípulo de Gaudapada, o famoso autor do Mandudkya Karikas. Sankara foi aceito como discípulo por Sri Govinda. Vendo o agudo intelecto do Seu discípulo, Govinda encarregou-o de expor a filosofia do Advaita através de comentários dos principais Upanishads, os Brahmasutras, e o Bhagavad-gita. Sankara deixou o Ashrama do Seu Guru e foi viajar para vários locais na Índia, compondo Seus comentários neste meio tempo. Neste tempo Ele era um adolescente. Ele atraiu muitos discípulos ao redor d´Ele, e um importante entre eles foi Sanandana, que mais tarde ficou chamado de Padmapada. Neste período, Sankara escreveu comentários sobre o Badaryana Brahma Sutras, os vários Upanishads, e o Bhagavad-gita. Estes comentários, chamados de Bhashyas, sustentam o pináculo dos escritos filosóficos indianos, e despertaram a longa tradição dos sub-comentários conhecidos como Vartikas, Tikas e Tippanis. Ele, também, fez comentários sobre o Adhyatma Patala do Apastamba Sutras, e no Vyasana Bhasya dos Yoga Sutras de Patañjali. Adicional a estes textos de comentários, Sankara escreveu tratados independentes chamados de Prakarana Granthas, incluindo o Upadesasahasri, Atmabodha, etc.

4. Os debates
Além destes escritos e comentários próprios, Sankara procurou outros líderes de outras escolas, com o objetivo de engajá-los no debate. De acordo com a tradição filosófica na Índia, tais debates auxiliam a estabelcer um novo filósofo, e também ganhar discípulos e convertê-los de outras escolas. É, também, tradicional para o debatedor que perde a discussão, tornar-se discípulo do ganhador. Assim Sankara debateu com filósofos Budistas, com seguidores do Samkhya, e com os Purva Mimamsakas, os seguidores dos rituais védicos, provando se mais capaz que Seus oponentes nos debates filosóficos. Então Sankara procurou por Kamarila Bhatta, o mais famoso proponente da filosofia Purva Mimamsa naquela época, mas Bhatta no seu leito de morte tinha designado Visvarupa, seu discíulo, para lhe suceder. Visvarupa algumas vezes é identificado como Mandana Misra.

Sankara, Mandana e Bharati
O debate de Sankara como Visvarupa foi único. Foi escolhida a esposa de Visvarupa, chamada de Bharati, como sendo o árbitro para decidir quem seria o vencedor. Ela era muito instruída, sendo considerada uma encarnação da deusa Sarasvati. A aposta tinha um destino para toda a vida. O acordo era se Visvarupa vencesse, Sankara tomaria a ordem de casado ou Grihastha, mas se Sankara vencesse, Visvarupa deveria tomar a ordem de vida de Sannyasa, tornando-se um discípulo de Sankara. O debate esendeu-se por muitas semanas, sendo que fora colocado uma guirlanda de flores em cada contentor, e a que ficasse esmaecida primeiro seria a do perdedor. Sankara venceu, e Visvarupa tinha que tomar a ordem de vida renunciada. Contudo, Bharati disse que não poderia viver longe de seu marido, apesar de ter declarado Sankara o vencedor da disputa filosófica, desafiando o Senhor Sankara para questões sobre Kama-shastra, do qual Sankara não sabia nada. Mas Sankara pediu-lhe um tempo, durante o qual, usando Seus poderes yóguicos, chamados de Parakaya-pravesha, Ele entrou no corpo de um rei que estava falecendo, e experimentou a arte do amor com as rainhas. Retornando para casa de Visvarupa, Ele respondeu todas as questões feitas por Bharati, após o que Visvarupa foi ordenado Sannyasa com o nome de Suresvara. Ele se tornou um dos mais celebrados discípulos de Sankara, escrevendo Varttikas para o Sankara Bhasya no Yajurveda Upanishads, em adição aos seus próprios textos independentes em vários assuntos.

Adi Sankara reverencia Devi
Estabelecimento de Mathas: Sankara continuou a viajar com Seus discípulos por sobre a Índia, ao mesmo tempo compondo tratados filosóficos, e engajando-Se em debates. Diz-se que ninguém vencia Sankara, uma vez que não ficavam a altura do Seu oponente, deste modo, a vitória de Sankara era notável. Não temos dúvidas que isso de fato ocorreu, devido a grande popularidade e respeito sem igual que o sistema filosófico de Sankara goza nos dias de hoje. No curso de Suas viagens, Sankara ficou por um longo tempo no local do antigo Ashrama dos Rishis Vibhandaka, e Rshyasringa, no local conhecido como Sringagiri (Sringeri). Alguns textos dizem que Sanakra ficou em Srigeri por 12 anos. Um eremitério foi construído ali, o qual logo se desenvolveu num famoso Matha ou monastério. Suresvara, o discípulo que havia sido vencido após longo debate, ficou como o chefe deste novo Ashrama. Mathas similares foram estabelecidos nos centros de peregrinação em Puri, Dvaraka, e Joshimath, próximo a Badrinath, e Padmapada, Hastamalaka, e Trotaka foram os responsáveis pelos locais. Estes são conhecidos como Amnaya Mathas, e eles continuam a funcionar até os dias de hoje. Os seus chefes são conhecidos como Sankaracharyas, em honra ao Seu fundador, e são reverenciados como Jagadgurus, os mestres do mundo. Sankara, também, organizou a comunidade de monges Ekadandis, dentro da Sampradaya de Dasanami Sannyasis, e os afiliou aos quatro Mathas que Ele estabeleceu.

Neste meio tempo, Sankara escutou que Sua mãe estava prestes a morrer, e decidiu visitá-la, cumprindo a Sua promessa. Desta forma, Ele foi e realizou os rituais fúnebres, mesmo contra a resistência dos parentes de Sua mãe. Os parentes não permitiram que Ele fizesse os ritos funerários, porque Ele era um Sannyasi, mas Sankara repeliu esta objeção, e construiu Ele mesmo uma pira funerária para os ritos de cremação nos fundos da casa. Após isso, Ele decidiu viajar, visando muitos locais sagrados, revivendo Pujas e templos que haviam caído no esquecimento, estabelecendo Sri Yantras e templos para Devi, como no caso de Kancipuram, e compondo muitos hinos devocionais.

5. Ascenção a Sarvajñapitha
Sarada Pittham
No curso da Suas viagens, Sankara alcançou Kashmir. Ali havia um templo dedicado a Sarada ou Saraswati, a deusa da sabedoria, o qual hospedava Sarvajñapitha, o Trono da Onisciência. Havia uma tradição que os filósofos que visitavam o lugar se engajavam em debates filosóficos. Ao vitorioso seria permitido ascender ao trono de Sarvajñapitha. Diz-se que os filósofos do Sul da Índia jamais tinham ascendido a posição de Pitha, apesar de Sankara ter visitado Kashmir e derrotar todos os outros filósofos. Então ele ascendeu ao Sarvjñapitha com as bênçãos da Deusa Sarada. Sabe-se que poucos séculos mais tarde, Ramanuja, o mestre da Vasishta-advaita, que visitou o mesmo Sarvajñapitha, a procura de Baudhayana Vritti. Porém, uma variante da tradição do Sarvajñapitha localiza-se em sul da Índia, em Kacipuram.

Sankara viveu até a idade de 32 ou 38 anos. Ele expôs a filosofia do Advaita Vedanta através dos Seus escritos; Ele atraiu muitos discípulos inteligentes para ele, que levaram adiante a filosofia da tradição Vedântica; Sankara também instalou muitos Mathas ou centros de monastérios para Seus seguidores. Ele teve uma vida curta mais muito movimentada. Ele afastou-se para os Himalayas e desapareceu dentro de uma caverna próximo a Kedarnath, onde é considerado o local onde Sankar atingiu o Maha Samadhi. Mas outra tradição diz que Sankara passou os Seus últimos dias em Karavirpitham, em Mahur, Maharashtra; Trichur em Kerala, ou Kancipuram no Tamil Nadu. Isso se deve pelo fato de Sankar ser muito querido pelas diferentes tradições.

Mas o que é comum e verdadeiro na tradição de Sannyasa de Sankara é que Ele foi um monge “peripatético”, isso é, que viajou por todos os lados do país em Sua curta vida. Sua fama se espalhou por todos os lados, e Suas histórias são recontadas em diferentes partes da Índia. Como um verdadeiro Sannnyasi que foi, Ele viveu de forma completamente desapegado das coisas mundanas. Ao ponto que a cidade que Ele nasceu, Kaladi, permaneceu desconhecida por um longo tempo. O crédito de identificação deste vilarejo em Kerala deve-se a um sucessor no século XIX em Sringeri, Sri Saccidananda Sivabhinaga Nrisinha Bharati. Similarmente, o crédito da renovação do Samadhi de Sankar, próximo a Kerala, deve-se a Sri Abhinava Saccidananda Tirtha, o sucessor em Dvaraka, no século XX.

om tat sat

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Glossário
Darshana= visão filosófica
Grihastha= vida de chefe de família
Nambhudiri= Brahmanas de elevada estima na Índia.
Mathas= centro de estudos.
Mimamsa= darshana de privilegia os rituais.


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